Cabo Verde Urbano – Um Território Em Transformação

Maio.12.2014 by admin

Elisa Pinheiro, Cabo-verdiana, Arquiteta e Doutoranda em Urbanismo na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa – Portugal.

Reflectindo sobre os grandes eixos temáticos aqui apresentados, atrevo-me a focar principalmente nas grandes questões urbanas, por se tratar da minha área de formação e por o território se constituir a base de desenvolvimento de um país moderno. Embora, estes eixos partilham de um denominador comum que é o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos, e nunca se dissociarão um do outro. Pois, as cidades desempenham um papel central nas nossas vidas – agora e no futuro, e os diferenciados clusters não saberão prosperar caso não encontrarem um território ordenado, eficiente e indutora.
 
Em 2014, Cabo Verde goza de uma posição em África e no resto do mundo, muito diferente do que se verificou há uma década atrás. E em 2030, também acredito que as nossas cidades terão um sentido completamente diferente.
 
Até o presente momento, as urbanizações têm vindo a ser realizadas em forma de redes independentes que vêm se posicionando como sistemas abertos num território cada vez mais fragmentado. Sistemas abertos sem qualquer continuidade espacial, onde por vezes encontramos extensivas ocupações de território que obrigam a um grande consumo de recursos, nomeadamente: território/espaço, energia, tempo, etc., preconizando espaços vazios e sem sentido, ou grandes problemáticas para os nossos territórios e cidades. Em geral, a configuração física tende a basear-se em algumas redes de infraestruturas independentes entre si, que conectam sistemas edificados descontínuos, muitas vezes implantados no território como objectos isolados. Como resultado, aumentam os desequilíbrios entre as partes e provocam falta de urbanidade e carências ao nível do atrativo ambiental.
 
Assim sendo, precisamos de novos paradigmas urbanísticos ou padrões de referência onde a transformação induzida pelas novas dinâmicas económicas e sociais deverá ser compatível com uma correta atualização das cidades existentes, das zonas semiurbanas ou mesmo rurais. Pois, é preciso criar novos paradigmas urbanísticos capazes de entender os novos condicionantes e harmonizá-los/compatibilizá-los com as exigências da economia de recursos e as fortes necessidades ambientais. Encontramos precisamente, numa situação de um território em aberta competição com outros, num mundo globalizado, onde temos de conseguir ter cidades dinâmicas, abertas e criativas, produtoras de riquezas e postos de trabalho. Estamos perante transformações decisivas, e é preciso perceber bem que hoje existem bases económicas e estruturas sociais de articulação espacial diferentes. Estas são questões a considerar dentro de uma perspectiva de durabilidade e de uso racional de um território que se encontra em constante transformação. Territórios ou cidades, cuja organização e funcionamento também não poderá deixar de abordar, as questões relacionadas com a sustentabilidade global, económica, social e ambiental.
 
Quem sabe, em 2030, as propostas de ordenamento passarão por entender que a visão a longo prazo, a ideia-força, tem de passar por projetos que formalizam com clareza as “reservas” do território; portanto, mais no vazio do que no construído, pensando que são estas novas continuidades dos vazios que nos vão permitir o reforço do sistema aberto, um território ordenado e suficientemente flexível para aceitar o imprevisto sem que este estrangule o conjunto. Embora, por outro lado, o construído terá de conseguir libertar e desenvolver com a mesma capacidade inovadora os assentamentos urbanísticos que poderão vir a ser implementados. O futuro deverá passar por cidades compactas (quando possível), cidades inteligentes que poderão e deverão suportar os desafios da maior inclusão social e territorial, assim como, do desejável desenvolvimento sustentável. Estudos científicos demonstram que as grandes cidades (metrópoles) contemporâneas compactas, vividas e diversificadas nas suas áreas centrais, propiciam um maior desenvolvimento sustentável, concentrando tecnologia, novas oportunidades de crescimento, gerando inovação e conhecimento em seu território. A diversidade gera inovação e é preciso beneficiar desse diferencial, tirar partido das externalidades espaciais também com a atracção de investimentos.
 
Os estudos sobre a realidade urbana cabo-verdiana são poucos e, em geral, são monografias sobre localidades ou ilhas específicas, a abordagens do âmbito da história ou geografia, deixando em aberto todo um vasto campo disciplinar e de estudo sobre o urbanismo contemporâneo. No entanto, existem também, estudos sobre as estruturas da realidade urbana, sobre as propostas de definição das infraestruturas, e tantos outros, que nos dão as referências para perceber os problemas e as suas opções/alternativas de mudança e de melhoria. Quiçá seja necessário integrá-los criticamente de forma que voltam a servir para gerar ideias, e nos permitir pensar em cenários alternativos que possam fazer adivinhar novos paradigmas nas cidades do futuro.

Dentro da tendência a favor da economia do conhecimento onde a concentração do potencial criativo e de conforto urbano e ambiental desempenha um papel essencial não só para os cidadãos de uma forma individual como também para as empresas, é preciso ter ambição e capacidade de inovação.
 
De acordo com o censo do INE de 2010, a concentração da população, a modernização e desenvolvimento dos centros urbanos tem implicado um elevado consumo de solo, com padrões de espaço urbano per capita tendencialmente crescentes. Face a esta situação, torna-se necessário que a questão do dimensionamento dos novos espaços urbanos e a delimitação dos perímetros urbanos atendendo, nomeadamente, às condições de extensão das infraestruturas urbanísticas esteja no centro das preocupações da gestão urbanística da Administração Pública. Nas cidades, o emprego e o recreio são fatores de atração que fazem das cidades espaços usados e vividos por muito mais pessoas que aquelas que os censos normalmente registam como seus habitantes, contribuindo para que estejam sempre em evolução e constituírem uma complexa e inacabada realidade social, económica e cultural. Mais do que o conjunto das suas construções e das suas infraestruturas que dão-lhes forma, estatuto e significado, a capacidade de mudança e de integração de novos usos, atividades económicas, culturas e grupos sociais demonstra como a vitalidade urbana é uma condição essencial de viabilidade, desenvolvimento, competitividade, assim como, uma garantia de êxito face ao futuro. A localização das atividades e do emprego para viver, constituem condições essenciais para o crescimento ou expansão das cidades, tornando-as atrativas para o investimento.

Neste contexto, com uma população cada vez mais urbana, com uma crescente ascensão de vilas ou povoações à categoria de cidade, cidades essas que acabam por coabitar numa mesma ilha, EM 2030 CABO VERDE ESTARÁ EM CONDIÇÕES DE TER ALGUMA REGIÃO/ÁREA METROPOLITANA, ONDE A ILHA DE SANTIAGO PODERÁ SER A PRIMEIRA CANDIDATA, AO AGLOMERAR OS VÁRIOS MUNICÍPIOS EXISTENTES. Pois, os centros urbanos diversificados, em termos de população, de cultura e de usos, com empresas ligadas à nova economia, têm-se configurado nas novas oportunidades de inovação urbana, promovendo competitividade e prosperidade.

Uma região ou área metropolitana é um grande centro populacional, formada por uma ou mais cidades centrais (metrópoles) e sua zona adjacente de influência. Normalmente, uma região metropolitana forma uma aglomeração urbana composta por uma grande área urbanizada que engloba a cidade núcleo/central e as cidades adjacentes, que por sua vez formará uma conurbação. É de salientar, que uma região metropolitana não tem de ser obrigatoriamente formada por uma única área contígua urbanizada, poderá ter uma região com duas ou mais áreas urbanizadas intercaladas com áreas rurais. O mais importante ou necessário, é que as cidades que formam uma região metropolitana tenham um alto grau de integração entre si, seja ela económica, política, social ou cultural, principalmente quando existe alguma proximidade territorial, podendo por exemplo, ter um plano de acção estratégico que visa o desenvolvimento regional, ou seja, usufruir de um desenvolvimento regional integrado e planeado, com forte impacto na rentabilização das infraestruturas e dos serviços de saneamento básico; beneficiar de recursos ou de leis/políticas de financiamento especiais; alcançar uma maior dinâmica económica; promover o desenvolvimento regional e não individual (conseguir financiamentos que os municípios poderiam não conseguir de forma individual); estimular o emprego e despoletar a competitividade não só local como também de todo o Cabo Verde. Resumindo, uma região ou área metropolitana é basicamente um grande centro populacional, que consiste em uma cidade central e sua zona adjacente de influência, que no caso específico da Ilha de Santiago, Praia seria a Cidade Metropolitana Central, ou seja, a grande metrópole.
 
Cabo Verde deverá enfrentar o futuro com toda a força, confiança e criatividade. As cidades inspirarão na capacidade transformadora, no espírito inovador, no inconformismo e na ousadia que as vão caracterizar. As cidades cabo-verdianas crescerão apoiadas na lógica e na racionalidade moderna. O mercado imobiliário deverá incorporar novas experiências e ideias, aliar o progresso económico a modelos urbanísticos mais sustentáveis e interessantes, com maior diversidade socioespacial, com edifícios auto funcionais e auto sustentáveis, com menos espaços/condomínios fechados, segregadores e distantes.
 
É preciso conectar o presente ao futuro, derrubar muralhas e modernizar-se. Pois, a sociedade civil organizada a exigirá. Cabo Verde em 2030 retratará a síntese dos sonhos dos mais de 500 mil habitantes que fazem parte deste território insular e que paulatinamente vai se conquistando o seu lugar no mundo global. Cabo Verde 2030 refletirá um futuro projetado, a história do nosso futuro.
 
Em 2030, os grandes desafios, nomeadamente no que diz respeito à desertificação, que se traduz em graves problemas de caráter ambiental e consequentemente económica e social deverão estar controlados, o crescimento urbano e o crescimento económico andarão de mãos dadas, os problemas graves de desemprego, de carência de habitação, de saneamento básico, de segregação social e habitacional e consequentemente aumento da marginalidade social serão colmatados o quanto possível: O défice habitacional, tanto quantitativo como qualitativo será mínimo; o país será mais competitivo e abrangente, o nível de vida dos cidadãos conhecerá equilíbrios; o acesso ao crédito habitação ou à uma habitação condigna será facilitado; existirão Instrumentos de Planeamento Territorial mais contextualizados e emergentes capazes de fazer face aos territórios construídos, Planos Detalhados “tipos” que dotarão as cidades de espaços alternativos ordenados, capazes de receber com dignidade as construções daqueles que visitam ou chegam à cidade a procura de sonhos, de alternativas ou de oportunidades, de uma vida melhor (principalmente na Praia, onde existem maiores perspectivas de empregos e de abertura de inúmeros serviços e funções inerentes ao papel de cidade capital do Estado); os assentamentos formais sobrepõem ou absorvem os informais que neste momento existem em maior escala e vem aumentando desde o período pós-independência – opções que invadem os espaços vazios, fragmentam o tecido urbano, colocando em causa os princípios do ordenamento e urbanismo; a fiscalização municipal será facilitada, os conflitos sociais minimizados e as chamadas Polícias Municipais terão a oportunidade de desempenhar outras funções na sociedade civil; os modelos de crescimento urbano deixarão de ser auto-orientados; as formas de atuação no território serão refletidas; os problemas relacionados com o ordenamento e planeamento urbano serão antecipados e resolvidos; a má gestão territorial existente será ultrapassada ou no mínimo das hipóteses, colmatada; construir-se-ão novas relações com os privados e serão desenvolvidos novas soluções de negócios relacionados com a habitação e infraestruturas de transportes urbanos acessíveis; a mobilidade urbana será assegurada por transportes públicos multimodal, ágeis e capacitados; os meios de transportes individuais e compartilhados ganharão protagonismo e as cidades serão ecologicamente mais atrativas e sustentáveis; as cidades serão mais compactas, menos fragmentadas e o consumo de energia per capita será menor; as infraestruturas e o saneamento básico estarão ao alcance da maioria, a segurança e a saúde pública é finalmente concedida (a rede de infraestruturas é o coração de uma cidade, é o que lhe permite ser funcional ou cumprir na íntegra a sua função); a vida humana será respeitada, a medicina sobrevalorizada e as fragilidades médicas existirão apenas na ficção; a sociedade cabo-verdiana sorrirá mais, viverá em harmonia, com respeito e dignidade; existirão tolerâncias; existirão espaços de estar, de lazer, de troca de hábitos, de cultura e de conhecimento; Cabo Verde redefinirá o seu lugar no sistema cultural em acelerada mutação; as tecnologias da informação e da comunicação proporcionarão inúmeras revoluções urbanas, o acesso on line aos serviços estará ao alcance de todos; o conhecimento científico ganhará relevo, as Instituições do saber ganharão força e maior credibilidade; a forma de estar dos professores na sua profissão será valorizada e respeitada; os professores saberão formar pessoas humildes e sensíveis, pessoas sábias, conscientes, responsáveis e profissionais. As crianças de hoje serão os homens de amanhã, o futuro do país.
 
É a nossa obrigação saber ver para além dos nossos hábitos e tradições, ser capazes de entender as transformações e os desafios em todas as suas dimensões, sem limitarmos às evidências.
 
Em 2030, as decisões políticas, as boas ideias e competência na gestão do território serão sempre bem-vindas. Os decisores políticos darão as mãos para construir um Cabo Verde cada vez mais melhor, competitivo, inovador e unido. As oposições deixarão de significar obstáculos …